Sunday, February 20, 2011

Aroma de alecrim

O ar estava todo impregnado. Era meu cheiro favorito, mas a intensidade daquilo era tanta que enjoava. Entrei na casa da Amanda com minha decisão transformada em discurso e já guardada em um lugar acessível. Era o fim do nosso namoro, e ela sabia que eu pretendia colocar o ponto-final naquela noite. Ela também não gostava mais da relação, mas era muito insegura e romântica; achava que não ia conseguir mais encontrar ninguém pra passar o resto da vida junto. E isso porque ela tinha 17 anos. Por isso tentou usar todos os artifícios possíveis para me fazer mudar de ideia. Não era a primeira vez que eu passava por isso, e como eu me conhecia, sabia que minha retirada teria que ser feita rapidamente porque era muito fácil me chantagear. Um chorinho e eu mudaria de ideia...
A casa estava iluminada por velas, a música era sofisticada, lenta, bem arranjada. Uma mesa muito bem posta e no final do corredor Amanda com sua roupa mais bela. Ela veio para mim com um sorriso pesado, sabia de tudo. Meu discurso travou. Ela ofereceu a refeição. Deliciosa. A sobremesa foi minha fala. Ela chorou. Me veio uma ideia de deixar uma impressão terrível sobre mim para que ela achasse melhor romper nossa relação mesmo. Então soltei um peido bem barulhento e comprido. Ainda sentado, mijei nas calças sorrindo. Então limpei a boca na toalha, aproveitando para assoar o nariz, levantei e falei que a comida estava com gosto meio estranho, mas deu pra encher o bucho. Coloquei uma mãozada de macarrão no bolso da camisa que era pra comer depois da pedra. "A gente se tromba, fera!", arroto, piso no gato sem querer e bato a cabeça na samambaia - "quem foi a filha da puta que botou essa merda aqui?" - e vou embora todo melecado, esperando que essa experiência tenha sido positiva pra Amanda.

Wednesday, February 09, 2011

Cachorro explosivo

Clívio, voltando para a casa depois de uma enchente, percebeu que já passava da uma da manhã. Não havia mais nenhum sinal da terrível chuva que lavara a cidade. O ar limpo e úmido deixava a noite agradável e no outro dia não haveria trabalho. Lembrando disso, diminuiu o ritmo e mudou de caminho pra ver como estava ficando uma obra que fazia muito barulho na rua de trás. Ao virar a esquina viu um pequeno grupo vindo pela mesma calçada na direção contrária. Eles aumentaram a velocidade do andar e falaram entre si algumas palavras - tinham o olhar firme pra frente. A colisão foi em 5 segundos - chegaram apavorando, um enfiou a mão no bolso da camisa. Ao tentar impedir, Clívio levou um tapão no pescoço. Enfiaram-lhe a mão nos bolsos da calça e lhe sacaram a mochila. Deram-lhe uns chutes, o deixaram na calçada e saíram correndo. A sensação de impotência, a raiva por ter trocado de caminho, a dor da violência e do furto, tudo isso se juntou em Clívio. Ele ficou deitado na calçada um tempo, pasmo, sem vontade de levantar. Até que um cachorro veio e lhe disse: eu vi tudo dali detrás da moita. Suba neste trenó que eu estou puxando e vamos pegar suas coisas de volta. Clívio pulou no transporte que era bem grande pra um au-au daquele tamanho, segurou numa cordinha e foi puxado rapidamente rua abaixo. Mal dobraram a esquina já avistaram a turminha de malfeitores. O cachorro se soltou do trenó, correu até o bando e explodiu levando a vida de todos. As luzes das casas da rua foram se acendendo, vozes, cabeças nas janelas. Um poste caiu com a explosão e um automóvel disparou o alarme. As coisas de Clívio estavam imprestáveis, a mochila estava pegando fogo. Moradores jogavam baldes de água nas coisas. O dono do automóvel veio ver se ele estava intacto. A polícia chegou rapidamente e meia-hora depois, um carro do IML para levar os corpos. Ao amanhecer, repórteres.