Monday, October 10, 2011

Melancolia

Ontem encontrei um amigo e começamos a falar do filme Melancolia. A certa altura eu falei algo que não entendi direito porquê e resolvi retomar o assunto comigo mesmo porque achei importante.
O eixo principal deste filme passa pela história de uma mulher que perde totalmente a esperança e vontade de viver. Fica deprimida, acaba com seu casamento durante a festa de sua realização. Pensam que ela está assim porque há a iminente colisão de um planeta, Melancolia, com a Terra, o que tiraria a vida de todos. Mas ela simplesmente está lúcida. Refletiu sobre a existência e concluiu que não vale a pena, que é desnecessária. Nisso, o Antônio, meu amigo, disse: e como a gente faz pra existir sem entrar em depressão em um mundo que está cada vez pior? O que me levou a essa reflexão:
A única certeza da vida é a morte. Isso somado as inúmeras informações que recebemos diariamente faz-se ficar cada vez com mais dúvida sobre a validade da pena de vida. Para evitar cair em depressão profunda é necessário encontrar os prazeres possíveis antes de morrer.
Isto posto, pensa-se que a vida poderia se tornar uma busca incessante por prazer para evitar a melancolia. E, sim, é isso que acontece. Mas nem todos os prazeres são acessíveis, o que gera mais frustração ainda. Muitas vezes é necessário passar por alguma privação para se chegar ao prazer - e alguns simplesmente são negados. Devida à quantidade e preço que se paga por cada prazer, é necessário haver ponderação na busca.
Levando-se em conta que a buca pelas sensações prazerosas é vivida em sociedade e precisa ser mediada por essa possibilidade de convívio, sabe-se que é necessário analisar as quantidades e qualidades destas atividades que levariam ao prazer. E fazer esta ponderação faz usar medidas de importância de prazeres - cria-se juízo de valor das atividades e sensações prazerosas. Isso faz alguém achar mais importante ver um filme do que ver um jogo de futebol, por exemplo. Qual o critério de julgamento de qualidade das sensações prazerosas?
Sob um olhar político, ainda levando em conta que a busca pelas sensações prazerosas é vivida em sociedade, poderia-se dizer que as atividades prazerosas com maior qualidade são as que levariam a uma vida em sociedade mais suportável. Atividades vividas em conjunto e que adicionassem informações necessárias para que a convivência fosse cada vez mais possível e prazerosa. Na verdade, a primeira atividade em grupo altruísta e pacífica que pensei foi sexo grupal. Descartarei esta atividade como construtiva porque, fora o trabalho corporal, ela não tem muito a desenvolver. Falo isso como leigo dos sutras e investigações profundas acerca das artes da cópula, mas não acho que basear a vida em sociedade na prática do sexo seria bom pra evolução da raça humana no momento. Mas tá aí, é uma forte candidata. O que seria, então, de mais qualidade do que o sexo grupal como atividade prazerosa? Uma atividade que ensinaria sobre política, filosofia e ainda tivesse sexo grupal? Só escrevi isso porque lembrei das peças do Zé Celso... mas taí, é uma boa. Agora pensei em um grande banquete onde se poderia ouvir discursos filosóficos aplicáveis enquanto se pratica sexo grupal. Estou chegando à conclusão que as peças do Zé Celso são a possibilidade mais avançada de atividade prazerosa a que se pode chegar... mas eu nem gosto muito das peças dele, principalmente porque lá não consumam realmente o ato. E resolvi terminar este texto.

Thursday, September 15, 2011

Roteiro de curta - Mãe, me proteja!

Cenário: interior de sala de aula com crianças de cerca de 6 anos.
Toca o sinal, as crianças saem para o recreio, um garotinho senta num banco meio longe do resto da algazarra das crianças, olha para os lados e abre sua lancheira. Começa a examinar o conteúdo e chegam mais 3 crianças, são maiores que o garotinho, tomam seu lanche, enfiam logo na boca, bebem o conteúdo de uma garrafinha plástica, descabelam o menininho e saem rindo. Alcides fica triste.
Corta para a mãe do garotinho vindo buscá-lo de carro. Ele entra no carro, está pálido e tristonho:
Mãe - "Que cara é essa, Alcides... tá com fome, é?"
Alcides - "Tô...".
Mãe - "Mas você tá comilão, hein! Coloquei um lanchão pra você hoje! Você não comeu, é?"
Alcides começa a ficar triste, faz cara de choro.
Mãe - "Pegaram seu lanche de novo, filho?"
Alcides começa a chorar
Mãe - "Calma, filho... Não tem problema. O almoço tá quase pronto lá em casa. Pode papar um montão!"
Corta para a mesa do almoço. Alcides comendo desesperado.
Mãe observando o menino, pensativa, depois de um certo tempo fala - "Filho, a sua lancheira já tá bem velha... depois do almoço vamos comprar outra, tá?"
Alcides, meio desconfiado - "Precisa não, mãe..." - e continua a comer
Mãe - "Vamos sim, vou te dar uma nova. Eu preciso ir ao shopping mesmo."
O almoço continua. Fade lento para preto.

Cenário: Cozinha da casa do Alcides. Manhã.
Mãe - "Vem filho! Já chamei, droga!"
Alcides - "Oi mãe, bom dia!"
Mãe - "Bom dia, filhão! Toma, vai comendo aí. A mamãe tá acabando de fazer seus lanches, tá?"
A mãe coloca 2 pães abertos em um prato branco e sai da cozinha em direção à câmera. Na outra mão tem a garrafinha de suco da lancheira, vazia. Alcides acompanha com a cabeça. Segue um barulho de porta se fechando. Depois barulho da mãe fazendo esforço e xingando, coisas caem na água. Depois de um tempo ela volta secando as mãos na calça. No prato tem umas manchas marrons e 2 sanduíches embrulhados em magipack. A mãe vai até a pia com aquilo, preenche e lava a garrafinha meio cheia que estava manchada de marrom, coloca tudo na lancheira velha.
Mãe - "Filho, hoje você vai levar as duas lancheiras. Presta atenção! Coloca a lancheira nova no fundo da mochila. Na hora do recreio, vai com a lancheira velha. Senta no lugar de sempre, abre, conta até vinte. Se não aparecer ninguém, fecha a lancheira e devolve pra mala. Não vai comer isso, não, hein! Só come o lanche da lancheira nova!"
Alcides faz cara de nojo. Quase vomita.
Mãe - "Não, filhão, é só não comer! Na lancheira nova tem maçã, bolacha, um monte de coisa!"
Corta para a classe. Momentos finais de uma aula, toca o sinal. Alcides pega a lancheira velha e sai pra o recreio. Senta no lugar anterior. Abre a lancheira, sente nojo e fecha de novo. Faz uma cara de repugnância, parece que vai vomitar. Aparecem seus inimigos:
"Vai, mano, dá isso aqui." - Eles pegam a lancheira, abrem e vão enfiando tudo na boca, tomam o conteúdo da garrafinha. Depois sentem um cheiro ruim. "Você peidou? Você peidou! Rarararara!". Saem correndo e jogam a garrafinha vazia na direção de Alcides, que desvia com nojo. Ele levanta do banco, joga a lancheira inteira no lixo e sai pensativo em direção à porta da sua classe.

Wednesday, August 10, 2011

Cantos Negros

- Intro dramática. Vocais chorosos de negros ao fundo.
Zumbi com suas escariações
Usava os cantos para aliviar sua agonia
Cantos negros...

- Entra um bandolim muito rápido em ritmo de country.
Eu tinha um cachorro
Cheio de sarna
Seu nome era Zumbi
Porque parecia mais morto que vivo
Fedia muito e vivia lambendo seu pipi

Ele ficava se coçando nas paredes da casa
Os cantos eram seus preferidos
De tanto se coçar nas quinas
Elas encardiam, ficavam escuras
Cantos negros fedorentos
Eita cachorro nojento!

- Solo de bandolim

Tuesday, July 05, 2011

Impressões sobre o salão de Atibaia

Recentemente fui convidado por uma amiga querida pra ajudar a montar suas obras no 20º Encontro de Artes Plásticas de Atibaia. Aí esqueci minha mochila azul lá... putz, tive que voltar na abertura do salão para buscar - que ocorreu dia 2 de julho. Mas foi bom porque vi a abertura do salão e todas as obras expostas. Como estava entre artistas, conversamos um pouco sobre as impressões que tivemos a respeito das escolhas dos jurados para premiação e exibição. Então achei a conversa interessante e resolvi colocar aqui.
A primeira observação que faço sobre as obras expostas é a de haver um discurso praticamente igual em duas delas. A reprodução em série de objetos antigos populares (um telefone de ficha e um fusca) e posterior distribuição das cópias pelo ambiente. A diferença entre as duas obras aconteceu apenas pela escala das cópias. Os fuscas eram pequenos e numerosos, distribuídos por todo o Centro de Convenções Victor Brecheret. Os telefones eram menos de uma dezena, do mesmo tamanho dos originais, e estavam fixados na parede externa do local. Impossível não fazer a ligação desta obra com uma outra que usava um telefone público, este atual, como base para uma intervenção de tricô: todo o aparelho e casco eram forrados de uma camada de malha costurada em barbante, fazendo o aparelho - um dispositivo serializado - parecer uma obra de artesanato.
O tricô também faz a ligação com outra obra exposta. Esta em crochê: cones de crochê foram fixados em locais de natureza distante da lã. Parecendo formas parasitas, estes cones despertavam o olhar sobre a base a que se fixavam tanto pelo contraste de material quanto pelas cores vibrantes e fortes sobre as bases mornas.
Outras duas obras, embora tivessem a mesma técnica e forma, se diferenciavam por um detalhe muito interessante. Eram fotografias em que suas autoras apareciam nuas no ambiente. Mas em uma delas - que inclusive ganhou o prêmio do salão - as fotos eram sobrepostas e a pessoa fotografada se mesclava com o ambiente passando a fazer parte da paisagem. Na outra, o contraste entre o corpo nu e o ambiente eram imensos e as fotos eram limpas e nítidas.
Também havia desenhos, pinturas e gravuras, mas nem lembro muito, queria logo comer o bolinho de bacalhau que vendia na beira da estrada, nham.
Tivemos a impressão de que desenho e pintura foram linguagens que de menos relevância neste salõe. Não por estas linguagens terem subitamente menos espaço, mas porque as obras que apareceram, se comparadas com as intervenções, misturas de material e fotografias, estavam mesmo menos interessantes. Os recortes de feltro costurados com xilogravuras sobre tecido dominaram o ambiente por causa do seu tamanho, força gráfica e posição em que foram expostos.

Sunday, February 20, 2011

Aroma de alecrim

O ar estava todo impregnado. Era meu cheiro favorito, mas a intensidade daquilo era tanta que enjoava. Entrei na casa da Amanda com minha decisão transformada em discurso e já guardada em um lugar acessível. Era o fim do nosso namoro, e ela sabia que eu pretendia colocar o ponto-final naquela noite. Ela também não gostava mais da relação, mas era muito insegura e romântica; achava que não ia conseguir mais encontrar ninguém pra passar o resto da vida junto. E isso porque ela tinha 17 anos. Por isso tentou usar todos os artifícios possíveis para me fazer mudar de ideia. Não era a primeira vez que eu passava por isso, e como eu me conhecia, sabia que minha retirada teria que ser feita rapidamente porque era muito fácil me chantagear. Um chorinho e eu mudaria de ideia...
A casa estava iluminada por velas, a música era sofisticada, lenta, bem arranjada. Uma mesa muito bem posta e no final do corredor Amanda com sua roupa mais bela. Ela veio para mim com um sorriso pesado, sabia de tudo. Meu discurso travou. Ela ofereceu a refeição. Deliciosa. A sobremesa foi minha fala. Ela chorou. Me veio uma ideia de deixar uma impressão terrível sobre mim para que ela achasse melhor romper nossa relação mesmo. Então soltei um peido bem barulhento e comprido. Ainda sentado, mijei nas calças sorrindo. Então limpei a boca na toalha, aproveitando para assoar o nariz, levantei e falei que a comida estava com gosto meio estranho, mas deu pra encher o bucho. Coloquei uma mãozada de macarrão no bolso da camisa que era pra comer depois da pedra. "A gente se tromba, fera!", arroto, piso no gato sem querer e bato a cabeça na samambaia - "quem foi a filha da puta que botou essa merda aqui?" - e vou embora todo melecado, esperando que essa experiência tenha sido positiva pra Amanda.

Wednesday, February 09, 2011

Cachorro explosivo

Clívio, voltando para a casa depois de uma enchente, percebeu que já passava da uma da manhã. Não havia mais nenhum sinal da terrível chuva que lavara a cidade. O ar limpo e úmido deixava a noite agradável e no outro dia não haveria trabalho. Lembrando disso, diminuiu o ritmo e mudou de caminho pra ver como estava ficando uma obra que fazia muito barulho na rua de trás. Ao virar a esquina viu um pequeno grupo vindo pela mesma calçada na direção contrária. Eles aumentaram a velocidade do andar e falaram entre si algumas palavras - tinham o olhar firme pra frente. A colisão foi em 5 segundos - chegaram apavorando, um enfiou a mão no bolso da camisa. Ao tentar impedir, Clívio levou um tapão no pescoço. Enfiaram-lhe a mão nos bolsos da calça e lhe sacaram a mochila. Deram-lhe uns chutes, o deixaram na calçada e saíram correndo. A sensação de impotência, a raiva por ter trocado de caminho, a dor da violência e do furto, tudo isso se juntou em Clívio. Ele ficou deitado na calçada um tempo, pasmo, sem vontade de levantar. Até que um cachorro veio e lhe disse: eu vi tudo dali detrás da moita. Suba neste trenó que eu estou puxando e vamos pegar suas coisas de volta. Clívio pulou no transporte que era bem grande pra um au-au daquele tamanho, segurou numa cordinha e foi puxado rapidamente rua abaixo. Mal dobraram a esquina já avistaram a turminha de malfeitores. O cachorro se soltou do trenó, correu até o bando e explodiu levando a vida de todos. As luzes das casas da rua foram se acendendo, vozes, cabeças nas janelas. Um poste caiu com a explosão e um automóvel disparou o alarme. As coisas de Clívio estavam imprestáveis, a mochila estava pegando fogo. Moradores jogavam baldes de água nas coisas. O dono do automóvel veio ver se ele estava intacto. A polícia chegou rapidamente e meia-hora depois, um carro do IML para levar os corpos. Ao amanhecer, repórteres.